Maria Helena Estêvão Pediatra com a Competência de Medicina do Sono Associação Portuguesa do Sono
Março 2017
O sono na adolescência Tem um filho adolescente ou a entrar na adolescência? Sabia que o sono é tão importante quanto a alimentação ou o exercício físico para o desenvolvimento e maturação do seu filho? Leia a nossa informação e saiba como melhor o pode compreender e ajudar.
O sono é uma função natural, básica que sofre evolução ao longo da vida. Consiste numa actividade fisiológica que de forma intermitente permite que o corpo descanse (a respiração, o ritmo cardíaco e a digestão abrandam) recuperando a energia gasta e que o cérebro proceda à organização e arrumação da informação recebida nas horas precedentes. Quer isto dizer que, embora a actividade física seja quase nula, a cerebral continua durante o sono. Enquanto dormimos, passamos por duas fases de sono: o sono não REM e o sono REM. A sigla REM refere-se a Rapid Eye Movement (fase do sono em que são visíveis movimentos dos olhos sob as pálpebras e em que ocorrem os sonhos). Esta fase do sono é mais abundante na segunda metade da noite e é aquela que tem maior importância para fortalecimento das funções cognitivas. Esquema de sono nocturno. Sono REM (Rapid Eye Movements) mais abundante na parte final da noite
A melatonina é segregada no hipotálamo em resposta à diminuição da luz.
A melatonina é segregada no hipotálamo em resposta à diminuição da luz.
À medida que se entra na adolescência, as solicitações começam a somar-se – as obrigações escolares, as actividades extracurriculares em que se incluem os desportos, os equipamentos electrónicos, a pressão social – ocupando grande parte do dia e roubando tempo ao sono, cuja importância não é valorizada. A maioria dos adolescentes não dorme o tempo suficiente, e este tempo diminui nos mais velhos. Num estudo efectuado nos Estados Unidos verificou-se que 56% dos adolescentes, do grupo dos 15 aos 17 anos de idade, dormia 7 ou menos horas de sono por noite em dias de actividade escolar, o que é manifestamente insuficiente.
Porque é que o sono é importante para um adolescente? Durante o sono mantém-se uma intensa actividade do organismo que permite o desenvolvimento do sistema nervoso central, o restabelecimento de vários sistemas, a recuperação de energia, o desempenho de várias funções hormonais e de resistência às infecções. Da actividade hormonal é de salientar a secreção da hormona de crescimento e ainda da grelina e leptina, hormonas que controlam o apetite e a saciedade. Um sono na quantidade e qualidade suficientes é particularmente importante para a regulação das emoções e na optimização de funções cognitivas como a memorização, a organização do pensamento nomeadamente as capacidades de antecipação e abstracção, a criatividade, a rapidez de reacção. Uma noite bem dormida aumenta a capacidade de concentração, de resolução de problemas e de avaliação das consequências de determinadas atitudes. É bem conhecido ainda o papel potenciador do défice de sono no aparecimento alongo prazo de doenças cardiovasculares e diabetes, entre outras.
O défice de sono no adolescente pode ser assim considerado como um sério risco para a saúde.
Porque é que o padrão de sono do adolescente é diferente? A melatonina, cuja secreção é iniciada quando há uma diminuição da luminosidade, induz o aparecimento da sonolência. Normalmente, atinge o seu pico máximo no primeiro terço da noite mas este processo sofre um atraso importante (2-3 horas) no adolescente, chamado ataso de fase. Daí que o adolescente só fica preparado para dormir (com a sonolência necessária) muito tarde e quando chega a hora de se levantar de manhã é quando ele está mergulhado no melhor do seu sono. Ao não cumprir o período de sono adequado vai perder uma parte com significado importante (sono REM) para a sua função cognitiva. Para além desta condicionante fisiológica, os adolescentes têm tendência a ter um padrão de sono irregular ao longo da semana, que é muito condicionado pelas obrigações e solicitações a que estão sujeitos . Muito frequentemente tentam compensar ao fim de semana, as horas de sono que ficaram em débito da semana, ficando assim a dormir várias horas durante o dia. Padrão de secreção da melatonina na criança e no adolescente de acordo com a luminosidade do dia. A reversão deste padrão pode indicar o fim da adolescência, o fim do período da preguiça como alguns dirão, já que a apetência para deitar e levantar mais tarde nunca tem sido interpretado como um fenómeno fisiológico, natural, mas sim como um sinal de que o adolescente não passa de um preguiçoso.
Que factores interferem no tempo de sono do adolescente? Há vários factores que favorecem que a maioria dos adolescentes tenha um sono mais curto que o desejável: 1. Processos biológicos – o atraso na secreção da melatonina 2. Equipamentos electrónicos - a utilização de equipamentos electónicos (televisão, telemóvel, tablet, computador, consola) facilitam a deslocação para mais tarde da hora de adormecimento do adolescente: 5. Outros problemas orgânicos (asma, enxaqueca) ou mentais
O que é que acontece se um adolescente não dormir as horas suficientes? O facto de um adolescente estar 9 horas na cama não significa que esteve sempre a dormir. Pode ter estado no computador, ao telemóvel ou a remoer no dia que passou ou no que está para vir. Após finalmente ter adormecido pode ter sido acordado repetidamente pelo som dos sms que chegavam. Já que acordou vai ver o que diz o sms e aproveita para ver se há alguma coisa nova no facebook. Entre dormir e acordar, de manhã a soma do sono dormido pode, com sorte, andar pelas 6 horas. Estudos efectuados, em que foram comparadas as durações de sono estimadas pelos pais através de questionários com as que são determinadas por medição com um actígrafo, sugerem que frequentemente há uma sobrestimação pelos pais da efectiva duração do sono. Este facto sugere que a perda crónica de sono dos adolescentes poderá atingir uma dimensão significativa. A continuidade e a profundidade do sono para além da sua duração são características que influenciam a qualidade do sono de forma significativa. As consequências de uma insuficiência de sono são várias, e podem ter tradução a nível cognitivo como orgânico. As manifestações podem ser subtis, podendo passar despercebidas durante muito tempo. A falta de abordagem e orientação pode levar à persistência das perturbações do sono até e ao longo da vida adulta. Uma das consequências mais frequentes é a sonolência diurna excessiva. Para além do aspecto apático, sem iniciativa, a repercussão na actividade escolar é muito frequente. Dificuldades de aprendizagem com redução da capacidade de concentração são queixas frequentes. Num estudo efectuado nos Estados Unidos, numa amostra de mais de 1100 crianças e adolescentes dos 6 aos 17 anos, 81% dos pais consideraram que a insuficiência de sono tinha algum ou muito impacto no desempenho escolar. Para além da influência no humor, o comportamento agressivo ou inapropriado, a instabilidade emocional, a tendência para sintomas depressivos ou para assumir comportamentos de risco (por menor capacidade de inferir as consequências) como o consumo de drogas, álcool ou tabaco constituem também manifestações de défice de sono. A redução da capacidade de decisão pode fazer-se sentir no plano alimentar, com tendência a comer alimentos menos saudáveis, o que aliado à desregulação das hormonas que controlam o apetite, facilita a tendência à obesidade. Muitos estudos têm evidenciado uma relação inversa entre o número de horas de sono e a prevalência do excesso de peso ou da obesidade. O défice de sono tem outras consequências a nível orgânico, umas que se manifestam a curto prazo (diminuição da resistência às infecções, maior propensão para o acne e outras num período mais longo (maior probabilidade de doenças cardiovasculares, diabetes, obesidade).
Quais são os principais problemas de sono da adolescência? O problema de sono que ocorre com mais frequência na adolescência é a insónia, que tem causas múltiplas, em que salientam factores fisiológicos, comportamentais e psicológicos. Mas há outros problemas médicos, que são tratáveis, como a síndrome de apneia do sono, a síndrome de pernas inquietas, ou a narcolepsia que podem ser causas de sonolência excessiva diurna.
Que fazer para melhorar o sono do adolescente? Ajude o seu filho a seguir as recomendações que se seguem:
Depois de ter cumprido estes “mandamentos” o seu filho acordará mais facilmente, andará mais bem humorado, estará menos distraído, talvez consiga ter melhores notas com menos esforço e sentir-se-á mais saudável. Consulte também a APS https://www.apsono.com/index.php/pt/centro-de-documentacao/centro-de-doc/52-higiene-do-sono-da-crianca-e-do-adolescente